"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2009/02/14

extraindo conceitos


Neste momento de crise financeira com o seu 'natural' desemprego sistêmico, faz-se mais que necessário questionarmos a quantidade de horas de trabalho despendida para a realização das necessidades no sistema capitalista, portanto a nossa “luta” deve ser pela redução imediata da jornada de trabalho para seis horas, haja vista que esta proposta está em pauta, pela COB – confederação operária brasileira – desde o ano de 1908.


(...) Não só o homem das sociedades primitivas não está de forma alguma sujeito a essa existência animal que seria a busca permanente para assegurar a sobrevivência, como é ao preço de um tempo de atividade notavelmente curto que ele alcança - e até ultrapassa - esse resultado. Isso significa que as sociedades primitivas dispõem, se assim o desejarem, de todo o tempo necessário para aumentar a produção de bens materiais.

O bom senso questiona: por que razão os homens dessa sociedade quereriam trabalhar e produzir mais, quando três ou quatro horas diárias de atividades são suficientes para garantir as necessidades do grupo? De que lhes serviria isso? Qual seria a utilidade desses excedentes? Qual seria o destino desses excedentes?

Sempre pela força que os homens trabalham além das suas necessidades. E exatamente essa força está ausente do mundo primitivo: a ausência dessa força externa define a natureza das sociedades primitivas.

Podemos admitir a partir de agora, para qualificar a organização econômica dessas sociedades, a expressão economia de subsistência, desde que não a entendamos no sentido da necessidade de um defeito, de uma incapacidade, inerentes à esse tipo de sociedade e à sua tecnologia, mas, ao contrário, no sentido da recusa de um excesso inútil, da vontade de restringir a atividade produtiva à satisfação das necessidades. E nada mais. (...)

* in A Sociedade contra o Estado.

São Paulo: Cosac & Naif, 2003

Um comentário:

Anônimo disse...

Pierre Clastres

As sociedades primitivas são sociedades sem Estado: esse julgamento de fato, em si mesmo correto, na verdade dissimula uma opinião, um juízo de valor, que prejudica então a possibilidade de constituir uma antropologia política como ciência rigorosa. O fato que se enuncia é que as sociedades primitivas estão privadas de alguma coisa – o Estado – que lhes é, tal como a qualquer outra sociedade - a nossa, por exemplo - necessária. Essas sociedades são, portanto, incompletas. Não são exatamente verdadeiras sociedades - não são policiadas -, e subsistem na experiência talvez dolorosa de uma falta - falta do Estado - que elas tentariam, sempre em vão, suprir. De um modo mais ou menos confuso, é isso mesmo o que dizem as crônicas dos viajantes ou os trabalhos dos pesquisadores: não se pode imaginar a sociedade sem o Estado, o Estado é o destino de toda sociedade. Descobrese nessa abordagem uma fixação etnocentrista tanto mais sólida quanto é ela, o mais das vezes, inconsciente. A referência imediata, espontânea 'é, se não aquilo que melhor se conhece, pelo menos o mais familiar. Cada um de nós traz efetivamente em si, interiorizada como a fé do crente, essa certeza de que a sociedade existe para o Estado. Como conceber então a própria existência das sociedades primitivas, a não ser como espécies à margem da história universal, sobrevivências anacrônicas de uma fase distante e, em todos os lugares há muito ultrapassada? Reconhece-se aqui a outra face do etnocentrismo, a convicção complementar de que a história tem um sentido único, de que toda sociedade está condenada a inscrever-se nessa história e a percorrer as suas etapas que, a partir da selvageria, conduzem à civilização “Todos os povos policiados foram selvagens”, escreve Raynal. Mas o registro de uma evolução evidente de forma alguma fundamenta uma doutrina que, relacionando arbitrariamente o estado de civilização com a civilização do Estado, designa este último como termo necessário atribuído a toda sociedade. Pode-se então indagar o que manteve os últimos povos ainda selvagens.