"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2009/10/05

seminário ferrer y guàrdia -- 100 anos__11

A Pedagogia Libertária

(2ª. parte)
Antonio Ozaí da Silva*

A Pedagogia Libertária é legatária de um projeto de sociedade fundada na autogestão presente na Associação Internacional dos Trabalhadores (a I Internacional fundada em 1864). A autogestão tanto pode ser assimilada numa perspectiva não-diretiva quando diretiva. Segundo GALLO (1996):

“O que diferencia as duas perspectivas de aplicação da autogestão pedagógica no contexto libertário é que enquanto a primeira toma a autogestão como um meio, a segunda a toma por um fim; em outras palavras, na “tendência não-diretiva” a autogestão é tomada como metodologia de ensino, enquanto que na “tendência mainstream’ [diretiva] ela é assumida como o objetivo da ação pedagógica. Ou, ainda: educa-se pela liberdade ou para a liberdade”.[6]

Os princípios de autogestão e educação integral[7] nortearam várias experiências pedagógicas libertárias: Paul Robin e a organização e direção do orfanato de Cempuis[8]; Sébastien Faure e La ruche (A colméia)[9]; a Escola Moderna Racionalista de Francisco Ferrer, que influenciou os anarquistas brasileiros nas primeiras décadas do século XX[10]; a escola de Yasnaia Poliana, dirigida pelo russo Leon Tolstoi[11]; as práticas libertárias na Espanha, dirigidas pela Confederação Nacional do Trabalho (CNT), etc.

Os primeiros representantes desta pedagogia no Brasil foram os trabalhadores imigrantes — italianos, espanhóis, portugueses, etc. — que, em fins do século XIX, chegavam para trabalhar nas lavouras de café, em substituição à mão-de-obra escrava. Posteriormente, estes imigrantes constituíram uma parcela importante do nascente proletariado urbano brasileiro.[12]

Nas primeiras décadas do século XX, os sindicatos operários tomaram para si a tarefa de criar os espaços necessários para o desenvolvimento desta pedagogia crítica às instituições formais, à educação oficial, laica ou religiosa.

Estes espaços alternativos são os centros de estudos sociais, as escolas modernas, as escolas operárias, a universidade popular, etc., onde se desenvolvem experiências fundadas na Pedagogia Libertária, no sentido de formar um novo homem e forjar a nova sociedade.

Notas:
[6] Embora a autogestão seja um dos elementos centrais da Pedagogia Libertária, esta não é a única a levá-la em conta. Como esclarece GALLO [Ver Pedagogia Libertária: Princípios Políticos-Filosóficos. in Educação Libertária: textos de um seminário, de Maria Oly Pey (Org.). Rio de Janeiro: Achiamé; Florianópolis: Movimento, 1996]: “Ao ser anti-autoritária por definição, a educação anarquista sempre teve na autogestão pedagógica seu foco central, implícita ou explicitamente. Não foi apenas o anarquismo, porém, que assumiu a tendência autogestionária na educação; a autogestão cabe a múltiplas interpretações políticas, do anarquismo mais radical até o liberalismo laissez-faire mais reacionário. Assim, muitas tendências pedagógicas acabaram por assumir práticas total ou parcialmente ligadas ao princípio da autogestão, seja de forma consciente, seja na sutil inocência - ou ignorância - que tudo permite. A autogestão está presente, pois, de Cempuis a Summerhill, do racionalismo pedagógico de Ferrer i Guàrdia ao 'escolanovismo' mais liberal, da pedagogia institucional às técnicas de Freinet”. Este texto também foi publicado in
[7] “O ensino deve ser igual para todos em todos os graus, por conseguinte deve ser integral, quer dizer, deve preparar cada criança de ambos os sexos tanto para a vida do pensamento como para o do trabalho, a fim de que todos possam igualmente tornar-se homens completos”, afirma BAKUNIN. [Ver “A educação integral”. in Educação Libertária, de Félix Garcia Moryón (org.); Porto Alegre: Artes Médicas; 1989: 34-49; a citação é da página 43].
[8] “Podemos considerar o pedagogo Paul Robin (1837-1912) como o principal nome da pedagogia libertária no século dezenove, por ter sido o primeiro a conseguir trabalhar, na prática, as diversas questões educacionais e teóricas que vinham sendo discutidas nos meios socialistas”, enfatiza GALLO [Pedagogia do risco: experiências anarquistas em educação, de Sílvio Gallo. Campinas-SP: Papirus; 1995: 87]. GALLO analisa esta “primeira experiência prática de educação integral”, que durou 14 anos. (Id.: 91). Ver também: “A educação integral”, de Paul Robin (In: MORIYÓN, 1989: 88-109).
[9] La ruche, “obra de solidariedade e educação”, se apóia na teoria de Piotr Kropotkin (1842-1921) e foi implementada na França, entre os anos 1904-1917. Kropotkin, em oposição ao darwinismo, parte do pressuposto de sobrevivência humana depende da cooperação, solidariedade e ajuda mútua.
[10] Ferrer, a rigor, não foi anarquista, mas sua pedagogia compartilha da tradição vinculada à ilustração – a razão, o espírito da ciência, contra o obscurantismo da ignorância que alimenta o preconceito e a miséria. Profundamente racionalista e antiautoritária, a pedagogia de Ferrer bebe em fontes do pensamento positivista, proporcionando uma simbiose interessante com o pensamento anarquista.
[11] MORIYÓN (1989: 19), observa que o escritor russo, a exemplo de Ferrer, “não pode ser considerado propriamente um anarquista”. Suas concepções religiosas o afastavam do anarquismo; mas, pedagogicamente, “seus conceitos coincidiam substancialmente com a tradição pedagógica anarquista”. MORIYÓN enfatiza: “A Escola de Yasnaia Poliana era tão radical e inovadora como a de Robin e Faure e, inclusive, superava-as na aceitação até as últimas conseqüências da liberdade das crianças, pois na sua escola nada era obrigatório, nem horários, nem programas e nem normas disciplinares”.
[12] Observe-se, no entanto, a tendência persistente presente na historiografia sobre o movimento operário brasileiro em omitir a questão racial, reproduzindo uma concepção branca e eurocêntrica, ao não pesquisar ou a atenuar a presença negra nos movimentos políticos do início do século XX.
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CLICK para um raciocínio mais aprofundado sobre a pedagogia libertária feita por Sílvio Gallo

e para uma visão histórica sobre "A EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA" feita por Angela Maria souza Martins

* texto completo de Ozaí in

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