"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2010/04/25

extraindo conceitos__47

sunday, september 28, 2008


(NYC 18 de agosto, 1997)

Vivemos num país em que 1% da população controla metade do dinheiro -- num mundo onde menos que 400 pessoas controlam metade do dinheiro -- onde 94.2% de todo o dinheiro se refere apenas a dinheiro, não a produção de qualquer tipo (exceto de dinheiro).

Um país com a maior população carcerária per capita do mundo, onde "segurança" é a única indústria que cresce (fora a do entretenimento), onde uma insana guerra às drogas e ao meio-ambiente é concebida como a última função válida do governo.

Um mundo de ecocídio, agrobusiness, desflorestamento, assassinato de populações indígenas, bioengenharia, trabalho forçado -- um mundo construído na afirmação de que o lucro máximo para 500 empresas é o melhor plano para toda a humanidade.

Um mundo em que a imagem total absorveu e sufocou as vozes e mentes de cada falante -- em que a imagem da troca tomou o lugar de todas as relações humanas.

Em vez de resmungar clichês liberais sobre tudo isto - ou levantar a perturbadora questão da "ética" - permita-me simplesmente comentar como um anarquista Stirneriano (um ponto de vista que ainda acho útil depois de todos estes anos): - presumindo que o mundo seja a minha ostra, eu estou em guerra pessoal contra todos os "fatos" acima, por que eles violam os meus desejos e impedem os meus prazeres.

Portanto, procuro aliança como outros indivíduos (numa "união de independentes") que partilham de minhas metas. Para os Stirnerianos de esquerda, a tática favorita sempre foi a Greve Geral (o mito Soreliano). Em resposta ao Capital Global nós precisamos de uma nova versão deste mito que possa incluir estruturas sindicalistas mas não se limitar a elas.

O velho inimigo dos anarquistas sempre foi o Estado. Ainda temos o Estado para nos preocupar (seguranças no Shopping universal), mas claramente os inimigos reais são os zaibatsus [Os capitais reuniram-se em torno de alguns conglomerados nipônicos, ditos zaibatsus, tidos como estratégicos ao desenvolvimento, tais como bancos, exploração mineral, industria bélica, têxteis e comércio exterior] e bancos (o maior erro na história revolucionária foi a falha em dominar o Banco em Paris, 1871).

Num futuro muito próximo haverá uma guerra contra a estrutura OMC/FMI/GATT do Capital Global - uma guerra de desespero claro, alimentada por um mundo de indivíduos e grupos orgânicos contra as corporações e "o poder do dinheiro" (i.e., o próprio dinheiro).

De preferência uma guerra pacífica, como uma grande Greve Geral - mas realisticamente cada um deve se preparar para o pior. E o que precisamos saber é: o que a InterNet pode fazer por nós?

Obviamente uma boa revolta precisa de bons sistemas de comunicação. Neste momento no entanto eu preferiria transmitir meus segredos conspiratórios (se eu tivesse algum) pelos Correios em vez da Net. Uma conspiração realmente bem-sucedida não deixa rastro em papel, como a Revolução Líbia de 1969 (mas na época, os grampos telefônicos ainda eram bastante primitivos).

Mais do que isto, como poderíamos ter certeza que o que vimos na Net era informação e não desinformação? Especialmente se nossa organização existe apenas na Net? Falando como Stirnerita, eu não quero banir assombrações da minha cabeça apenas para encontrá-las de novo na tela. Luta de rua virtual, ruínas virtuais. Não parece uma proposição vantajosa.

Mais perturbador para nós seria a qualidade "gnóstica" da Net, sua tendência à exclusão do corpo, sua promessa de transcendência tecnológica da carne. Mesmo que algumas pessoas tenham "se conhecido pela Net", o movimento geral é rumo à atomização - "caído sozinho em frente à tela".

O "movimento" hoje presta muita atenção à mídia em geral por que o poder virtualmente nos iludiu - e dentro do speculum da Net o seu reflexo zomba de nós. A Net como substituto ao convívio e à comunicatividade. A Net como uma má religião. Parte do transe midiático. A comoditização da diferença.

À parte a crítica da Net do ponto de vista da Soberania Individual, nós poderíamos também lançar uma análise de uma posição Fourierista. Aqui no lugar de indivíduos nós consideraríamos a "série", o grupo básico Passional sem o qual cada ser humano permanece incompleto - e o Falanstério, ou Série completa de Séries (mínimo de 1620 membros).

Mas a meta permanece a mesma: - o agrupamento ocorre para maximizar os prazeres ou o "luxo" para os membros do grupo, Paixão sendo a única força viável de coesão social (de fato, nesta base nós poderíamos considerar uma "síntese" de Stirner e Fourier, na aparência polarmente opostos). Para Fourier, a Paixão é por definição incorporada; todo o "networking" é mantido via presença física (apesar dele permitir pombos-correio para comunicação entre Falanstérios).

Como um místico dos números, Fourier bem que poderia gostar do computador - na verdade ele inventou o "namoro por computador", de certa maneira - mas ele provavelmente desaprovaria qualquer tecnologia que envolvesse a separação física (eu creio que foi Balzac quem disse que para Fourier o único pecado era almoçar sozinho).

Convívio no sentido mais literal - idealmente, a orgia. "Atração Passional" funciona por que cada um tem Paixões diferentes: a diferença já é "luxo". O corpo de dados, o corpo na tela, é apenas metaforicamente um corpo.

O espaço entre nós - o "medium" - deve ser preenchido com Raios Aromais, zodíacos de luz brilhante (novas cores!), profusões de frutas e flores, os aromas da cozinha gastrosófica - e finalmente o espaço deve ser fechado, curado.

Outra crítica da Net poderia ser feita de uma perspectiva Proudhoniana (Proudhon foi influenciado por Fourier, apesar de fingir que não foi. Ambos eram de Bezançon, como Victor Hugo). Proudhon era mais "progressivo" quanto a tecnologia do que nossos outros exemplos, e seria interessante ver que tipo de papel ele teria para a Net em seu futuro ideal de Mutualismo e anarco-federação.

Para ele "governo" era meramente uma questão de administração da produção e troca. Os computadores poderiam se provar como ferramentas úteis sob estas condições. Mas proudhon assim como Marx sem dúvida modificariam sua visão otimista da tecnologia se fossem consultados hoje da sua opinião: - a máquina como poluição social, a própria tecnologia (e por implicação o Trabalho) como alienação.

Este argumento foi obviamente feito por Marxistas libertários, anarquistas Verdes, etc. - descendentes legítimos de Marx e Proudhon, como Marcuse ou Ilich. Não seria justo considerar a InterNet (nem a bioengenharia) fora desta crítica da tecnologia.

O trabalho de Benjamin, Debord e até Baudrillard (até ele ter caído exausto) torna claro que a imagem total - "a mídia" - tem um papel central nesta crítica. Proudhon questionaria a Net quanto a justiça, e quanto a presença.

Mas eu preferiria focar mais estritamente na questão da imagem. Aqui nós poderíamos retornar a Blake como nosso "martelo filosófico" (Nietzsche queria realmente dar a entender uma espécie de diapasão), uma vez que estamos falando do ídolo, da imagem.

Eu argumentaria que estamos sofrendo uma crise de superprodução da imagem. Nós estamos, como Giordano Bruno colocou, "acorrentados", hipnotizados pela imagem. Em tal caso nós precisamos ou de uma dose saudável de iconoclastia, ou então (ou também) um tipo mais sutil de senso crítico hermético, uma liberação da imagem pela imagem.

Na verdade, Blake nos supriu com ambos - ele era tanto um esmagador-de-ídolos quanto simultaneamente um hermetista que usava imagens para a libertação, tanto política quanto espiritual. Hermetistas entendem que o "hieróglifo", a imagem/texto ou comunicação mediada (simbólica), tem um efeito "mágico", ultrapassando a consciência racional linear e influenciando profundamente a psiquê.

É por isso que Blake dizia que uma pessoa deve fazer seu próprio sistema ou então ser escravo do sistema de outros. A autonomia da imaginação é um alto valor para o hermetismo - e a crítica da imagem é a defesa da imaginação. A tela é um aspecto da imagem que não pode escapar desta "análise espectral" - a mídia como "moedores satânicos".

Parece que não há mesmo como fugir da tecnologia ou da alienação. A própria techné é prótese da consciência, e portanto inseparável da condição humana (linguagem inclusa aqui como techné). A Tecnologia como a fusão óbvia de techné e linguagem (a ratio ou "razão" da techné) tem sido simplesmente uma categoria da existência humana desde pelo menos o Paleolítico.

Mas - podemos perguntar até que ponto o próprio coração foi substituído por um órgão artificial? Até que ponto uma determinada tecnologia "surta" e começa a produzir uma contraprodutividade paradoxal?

Se pudéssemos alcançar um consenso nisto, ainda existiria motivo para falar de determinismo tecnológico, ou o maquinismo como destino? Neste sentido, os velhos Ludditas merecem alguma consideração. A techné deve servir ao ser humano, não definir o ser humano.

Precisamos (aparentemente) aceitar a inevitabilidade da consciência, mas apenas na condição de que não será a mesma consciência. Suspeitamos que a consciência racional, maquínica, linear, aufklaerung, universal governou em muito tempo numa tirania - ou "monopólio.

Não há nada de errado com a razão (na verdade nós poderíamos usar bem mais dela) mas o racionalismo parece uma ideologia fora de moda.

A razão deve dividir o espaço com outras formas de consciência: consciência psicotrópica, ou consciência xamânica (que não tem nada a ver com "religião" como é usualmente definida) - bioconsciência, o discernimento sistêmico do ideal hermético da terra viva - consciência étnica ou cultural, modos diferentes de ver - povos indígenas - ou os Celtas - ou o Islã - consciências de "identidade" de todos os tipos - e consciências de trans-identidade.

Uma variedade de consciências parece ser o único campo possível para a nossa ética.

Então, e quanto a consciência da InterNet? Ela tem seus aspectos não-lineares, não tem? Se pode existir uma "racionalidade do maravilhoso", não há um lugar para a Net no banquete?

No fim nós devemos nos contentar com a ambiguidade. Uma resposta "pura" é impossível aqui - iria feder a ideologia. Sim e não.

Mas - "Entre o Sim e o Não, estrelas caem do céu e cabeças voam do pescoço", como o grande sufi Shayk Ibn Arabi disse ao filósofo Aristotélico Averöes [filósofo árabe].

Uma imagem adequada para uma ruína romântica…

fonte:

http://tripnaarcada.blogspot.com/2008/09/hakim-bey.html

http://catatau.blogsome.com

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