"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2010/05/18

extraindo conceitos

Dia após dia os brasileiros assistem perplexos à encenação da pífia paródia tupiniquim da “Politi Commedia dell’Arte.

Travestidos de Arlecchino, Pulcinella, Pantalone, Capitão Mata-Mouros, Briguella, Dottore, Scaramuche, os personagens canastrões dessa farsa burlesca, — ensaiada de tempos em tempos (o período de uma campanha eleitoral) e encenada dia após dia, entre uma eleição e outra — exibem seus dons de cinismo, velhacaria, fanfarronice, servilismo, bajulação, traição, crueldade, astúcia, canalhice, tartufismo, perfídia, ladroagem.

Políticos de todos os partidos confundidos (esquerda, centro e direita, como se, em essência, houvesse alguma diferença!) ocupam a ribalta. Sob as luzes da mídia falada e escrita esses personagens histriônicos e pérfidos chocam-nos com sua desenvoltura para o escárnio e a impudicícia.

Em uníssono falou-se de crise política. Ora, o termo “crise” pressupõe um estado de anomalia, perturbação ao bom funcionamento de um sistema, o que não é o caso.

Mais uma vez tentam impingir-nos a idéia de que a democracia burguesa, associada à sua irmã siamesa, a economia de mercado, funcionam como boas reguladoras das relações socias modernas.

Como é possível defender um sistema no qual uns poucos controlam a produção, a distribuição, a comercialização de toda a riqueza gerada pelo esforço coletivo, cabendo à grande maioria dos indivíduos uma pequena parcela dessa riqueza?

Como é possível aceitar que esses mesmos, ou seus mandatários, que expropriam a sociedade sejam também os artífices das leis e seus executores.

A democracia representativa está embasada num confisco do poder político, tão bem comentado por Eduardo Colombo, quando diz que:

A dominação política institucionalizada, o Estado no sentido genérico e corrente do termo, imporá a relação comando-obediência à totalidade do tecido social e, subjetivando o poder, fará dos súditos do soberano seres dóceis à voz do senhor, espectadores prontos a responder ao comando com obediência.

Com o tempo, e a sucessão das gerações, o hábito, como escreve com tristeza La Boétie, “logra nos fazer engolir, sem repugnância, o amargo veneno da servidão.”

O confisco da capacidade coletiva de instituir a sociedade transformará essa capacidade num poder detido por uma minoria de ditar a lei para os outros.

Para nós, anarquistas, a paródia acima descrita é só mais um exemplo da secular crítica aos governos, desde há dois séculos.

Com o propósito de evidenciá-la, selecionei alguns excertos de textos dos principais teóricos do anarquismo, apresentados imediatamente abaixo.

Em 1794, Willian Godwin, em sua excelente obra Investigação sobre a justiça política, já declarava:

A verdadeira razão pela qual a massa do gênero humano foi tão amiúde enganada pelos espertalhões foi a natureza misteriosa e complicada do sistema social. Uma vez aniquilado o charlatanismo do governo, o mais rústico entendimento seria assaz forte para desvelar o artifício do malabarista de Estado que tentasse induzi-lo ao erro.

Para Max Stirner, em sua estonteante obra O Único e sua Propriedade, escrita em 1844,

O Estado exerce seu “poder”, o indivíduo não pode fazê-lo. O comportamento do Estado é a expressão de seu poder, de sua violência, mas ele a denomina “direito” enquanto aquela do indivíduo é “crime”.

Ou, ainda:

Pode-se reformar e melhorar o Estado e o povo? Tão pouco quanto a nobreza, o Clero e a Igreja. Pode-se suprimi-los, aniquilá-los, aboli-los, mas não reformá-los.

Para muitos pai do anarquismo, o francês Pierre-Joseph Proudhon, em 1851, no epílogo de sua obra Idée Générale de la Révolution au 19ème siècle, descreve in totum o governo:

Ó personalidade humana! Como é possível que durante sessenta séculos tenhas estagnado nessa abjeção? Tu te dizes santa e sagrada, e não passas duma prostituta, infatigável, gratuita, de teus lacaios, de teus monges e de teus mercenários. Tu o sabes, e sofres por isso!

Ser GOVERNADO é ser vigiado, inspetado, espionado, dirigido, legiferado, regulamentado, acantonado, doutrinado, evangelizado, controlado, estimado, apreciado, censurado, comandado, por seres que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude... [...]

Eis o governo, eis sua justiça, eis sua moral! E pensar que há entre nós democratas que sustentam que o governo tem seu lado bom; socialistas que defendem, em nome da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, essa ignomínia; proletários que se candidatam à presidência da República! Hipocrisia!...

Mikhail Bakunin, o demônio da anarquia, opõe-se claramente, em seus escritos das décadas 60 e 70 do século XIX, ao governo, de qualquer natureza, inclusive o Volkstaat do sr. Marx (inspirado em Lassalle). Citemos aqui dois excertos nos quais Bakunin expõe sua pungente crítica ao Estado.

... a moral do Estado é completamente oposta à moral humana. O Estado impõe-se a todos os súditos como o objetivo supremo. Servir sua potência, sua grandeza por todos os meios possíveis e impossíveis, sendo ao mesmo tempo contrários às leis humanas e ao bem da humanidade, eis a virtude, pois tudo o que contribui à potência e ao crescimento do Estado é bem, enquanto tudo o que se opõe a ele, mesmo a ação mais virtuosa do ponto de vista humano, é mal.

Sébastien Faure, em La Douleur Universelle, ensina-nos que:

A iniqüidade política pode resumir-se numa palavra: GOVERNO; o representante só se preocupa com seus próprios interesses [...], e, então, aqueles que o delegaram cessam, por sua vez, de ser livres.

Piotr Kropotkin, em sua obra, O Estado e seu papel histórico, escreve:

Vemos no Estado uma instituição desenvolvida através da história das sociedades humanas para impedir a união direta entre os homens, para entravar o desenvolvimento da iniciativa local e individual, para aniquilar as liberdades que existiam, para impedir a sua nova eclosão e submeter as massas aos interesses, egoísmos e ambições das minorias ociosas e autoritárias.

E sabemos muito bem que uma instituição que tenha um passado de milhares e milhares de anos não pode desempenhar uma função diferente daquela para a qual foi criada, nem diferente daquela em que se desenvolveu no decurso da história.

Nos anos 1920, Errico Malatesta, declarava:

O espaço limitado não nos permite refazer aqui a crítica do parlamentarismo e demonstrar que ele nunca pode interpretar as necessidades e as aspirações dos eleitores e que acabaria necessariamente por criar uma classe de politiqueiros, tendo seus próprios interesses, diferentes dos interesses do povo e, amiúde, opostos.

Esta breve viagem pelos duzentos anos de críticas e análises quanto à verdadeira natureza dos governos, todos: monarquistas, aristocratas, fascistas, marxistas e... democratas, prova-nos, cotidianamente, a natureza perversa e pervertida de todos os governos.

Sim, a democracia representativa burguesa, cantada em prosa e verso pelas nações ocidentais, vendida a todos os povos como último e definitivo estágio do desenvolvimento político, e alicerçada em uma economia de mercado que tem por deuses o capital e o lucro, funda-se no mesmo maldito princípio elitista, hierárquico e autoritário, com conseqüências dramáticas para a maioria esmagadora da sociedade.

fonte:

http://imaginario.lojapronta.net/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=73

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