"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2010/05/30

indicação de leitura

espaços de anonimato

por santiago lópez-petit

«Os espaços de anonimato representam um verdadeiro desafio para a teoria revolucionária. O estatuto político dos espaços de anonimato (o não serem homogéneos, adicionáveis…) é função e já chega determinado pela essência da própria força do anonimato. É ela que lhes confere aquelas que são as suas características principais: ausência de reivindicação, articulação em torno de um gesto radical que se repete, não-futuro, politização apolítica.

A força do anonimato aparece-nos quando tentamos pensar a radicalização da impotência. Essa força vem, então, ter connosco. Com toda a sua carga dissolvente e, ao mesmo tempo, portadora de promessas. Com toda a sua ingovernabilidade. Sentimos a impotência face a essa mobilização global que se faz de nós, connosco — contra nós — que unifica realidade e capitalismo, que proclama «Não há nada a fazer».

Esta frase, «não há nada a fazer» é uma frase estranha que em nada se assemelha a outras frases aparentemente parecidas: não podemos fazer nada, é impossível fazer seja o que for… «Não há nada a fazer» é o nome para uma bifurcação que conduz a dois lugares completamente diferentes: «Não se pode fazer nada» e «Tudo está por fazer».

O primeiro caso não nos interessa. O segundo, sim.

Quando se diz, de facto, «Não há nada a fazer» porque se bateu realmente no fundo e já não resta esperança alguma, o que então se abre é uma travessia do niilismo. Aí, sim, podemos afirmar que «Tudo está por fazer». A travessia do niilismo inaugurada pelo «Não há nada a fazer» não é outra coisa senão a radicalização da impotência.

Uma radicalização que nos conduz ao que Artaud denominava o im-poder. Para ele, radicalizar a impotência é o mesmo que fazer a experiência do im-poder. A impotência aparece referida na sua correspondência com Rivière como a impossibilidade de pensar.

A análise deste «querer pensar mas não poder pensar» constituirá o núcleo de todo o primeiro escrito de Artaud. Rapidamente essa impossibilidade haverá de estender-se ao próprio viver. Quero viver, mas não consigo viver."

[...]

"Só a rejeição total da realidade no-la pode mostrar na sua verdade. Só a rejeição total do mundo nos diz a verdade do mundo. Mas esse gesto radical de rejeição já não é o gesto moderno que, depois da destruição anunciava e preparava um novo começo. Não há começo absoluto porque a «tabula rasa» não nos deixa diante de nenhuma verdade absoluta. A rejeição total da realidade apenas nos oferece «uma» verdade da realidade. Esta é a nossa verdade."


in A Mobilização Global, seguido de O Estado-Guerra e Outros Textos e Alguns Comentários Marginais de Rui Pereira, Deriva Editores

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