"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2010/08/15

extraindo conceitos


Fala-se algures [em algum lugar] em findar um "partido operário" no Brasil. Não sabemos ainda qual seja seu programa por completo ou mesmo se o terá...


Mas sabemos que adotará a tática eleitoral e desconfiamos bem que seja simplesmente um grupo todo consagrado às intrigas eleitoreiras, trazendo a discórdia para o movimento operário, estorvando a constituição natural e gradual do verdadeiro partido do trabalho.


Porque evidentemente o nome de “partido operário” é usurpado e abusivo. Só pode haver um partido operário:


aquele que possa admitir em seu seio todos os operários e só os operários, baseando-se sobre os interesses comuns a todos e por todos compreendidos ou sentidos. Para isso é preciso achar-lhe um sólido terreno de acordo.


A base do acordo não pode achar-se nos interesses e ideais indecisos, contraditórios e pouco compreensíveis da política e da religião. É um fato que o acordo não existe nesses pontos, nem teria uma base segura sobre que assentar-se.


A política parlamentar, por exemplo, divide os operários, que de politica se ocupam, em duas facções bem distintas:


a dos partidários e a dos inimigos da ação eleitoral e parlamentar. E entre os primeiros produz ainda rivalidades de partido, de candidatos, de pessoas, as mesquinhas intrigas que formigam na feira eleitoral.


Um partido político não é exclusivamente operário. Embora se proclame fundado sobre a luta de classes, admite em seu seio aspirações, tendências e hábitos mais ou menos estranhos a vida operária, e que podem ser legítimos e legitimamente integrar-se nas reivindicações do partido, mas que podem igualmente adquirir uma perigosa preponderância.


E, nesse sentido, o parlamentarismo é muito capaz – os fatos ensinam – de canalizar férteis movimentos pelas vias escuras e tortuosas das ambições pessoais.


A única base de acordo existente e possível para o “partido operário” são os interesses econômicos comuns a todos os trabalhadores. Só eles são susceptíveis de agrupar, de solidarizar os operários que lutam pela sua emancipação, os ativos, os conscientes.


Muito mais facilmente do quaisquer princípios políticos, eles podem chamar à ação, ao movimento, os elementos inativos e indiferentes, que não dariam um passo por uma tática determinada.


Certamente, o verdadeiro operário não baniria da sua atividade a luta política: baniria unicamente as táticas politicas que dividem o proletariado, devolvendo-as aos respectivos partidos, pelos quais os operários se acham repartidos, em companhia mais ou menos numerosa de burgueses, semi-burgueses, literatos e idealistas.


Faria como em religião. Embora inconfessional em matéria religiosa, não deixaria por isso de combater os padres, colocados ao lado dos patrões ou fundadores de associações operárias destinadas a desorganizar o proletariado e embaraçar a sua marcha.


Do mesmo modo, embora neutral em politica, não deixaria de lutar, no terreno em que todos estão de acordo contra as arbitrariedades governamentais e policiescas, contra a intervenção da autoridade politica nas greves, nos conflitos entre o capital e o trabalho, contra a violação dos direitos de associação, de reunião, de palavra.


Esse partido elabora-se lenta mas seguramente:


os operários constituem sindicatos profissionais ou de industria, os sindicatos agrupam-se em federações, as federações reúnem-se numa confederação, limitando-se primeiro a um país, para mais tarde se ligar com as outras, internacionalmente.


É grande e sólido partido, com base firme, formando-se de baixo para cima, do simples para o composto. Não há comitês diretivos, não há cabeças – facilmente decapitáveis. Autonomia do indivíduo dentro do sindicato, e do sindicato dentro da federação, da federação dentro da confederação.


A liberdade da unidade. É um organismo vivo em todas as suas partes, um oceano agitado em todas as suas vagas.


Faz-se um apelo a todas as energias, pela propaganda e pela ação, faz-se a educação mútua no sentido de evitar que os indivíduos possam admitir chefes e depositar neles a sua confiança, a sua iniciativa, ficando desorientados quando esses chefes são empolgados pelo adversário.


Tal é o “partido do trabalho” que se elabora entre nós e que é já forte em quase todos os países da América e da Europa, onde o proletariado se acha fortemente organizado.


Fortemente estribados na prova indestrutível dos fatos, da experiência social, esperamos não pregar inteiramente em vão. Muito tempo se ganharia se o proletariado do Brasil, aproveitando o exemplo de fora, evitasse os escolhos em que bateu o operariado em outros países.

nota:

Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário, agosto de 1920

in:

http://cob-ait.net/index.php/tudo-sobre-sindicalismo/25-proposta/248-partido-operario

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