SÁBADO, 6 DE NOVEMBRO DE 2010
Vale a Pena ler de Novo
Alex Ferraz
Faço minhas as palavras que se seguem, em artigo publicado na edição de sábado (6 de novembro/ 2010) pelo jornal Tribuna da Bahia, reproduzido da Folha de S. Paulo, de autoria de Cláudio L. N. Guimarães dos Santos, 50 anos, escritor, médico e diplomata, mestre em artes pela ECA-USP e doutor em linguística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França):
Segundo Karl Mannheim, uma sociedade moderna dificilmente consegue escolher bem o seu futuro sem a presença de intelectuais independentes.
Somente eles, com seu saudável poder corrosivo, são capazes de garantir a existência de uma opinião pública crítica.
Para fazê-lo, contudo, os intelectuais precisam defender o seu direito de pensar como melhor lhes pareça e recusar a adesão canina a esta ou àquela ideologia, a este ou àquele partido.
A sua falta de identidade coletiva - de ‘espírito de manada’ - é o que lhes proporciona a autonomia imprescindível à realização de sua missão:
examinar, sem descanso, as soluções conflitantes de um problema antes de rejeitá-las ou de assimilá-las.
Todavia, por rever constantemente as suas opiniões, a intelectualidade ‘não engajada’ é vista com reservas pelos adeptos do ideal gramsciano de ‘intelectual orgânico’, paladino de ‘sua classe’.
Estes não suportam o inquietante inconformismo das mentes livres, as quais se encontram, por isso mesmo, em grande perigo nos regimes populistas.
Tal fato, infelizmente, nem sempre é percebido com clareza, já que, ao contrário dos ditadores declarados - que eliminam os intelectuais indesejáveis sem nenhum pudor -, os governantes populistas preferem atuar de modo mais discreto.
Buscam, inicialmente, cooptar a intelectualidade ‘rebelde’, minando-lhe a independência por meio de favores.
Se não o conseguem, procuram desacreditá-la perante a população, o que se dá não tanto pelo confronto direto, mas pelo ataque aos meios de comunicação pelos quais se expressa, que são acusados de serem ‘contra o governo’, ou, ainda pior, de serem ‘contra o povo’.
A artimanha, porém, só funciona quando o aparato crítico dos indivíduos aos quais se dirige apresenta um nível rudimentar, resultado das graves deficiências educacionais de que padece a maioria da população nesses regimes:
pessoas esclarecidas não se deixam engabelar por pregações descabidas.
É por isso que os governantes populistas, além de lançarem mão de farto assistencialismo e de retórica demagógica pela qual se apresentam como ‘pais do povo’ e ‘salvadores da pátria’, tanto se esmeram em dificultar o acesso dos cidadãos à informação diversificada.
E o fazem seja pela restrição ‘bem-intencionada’ à liberdade de imprensa, seja pela utilização de instrumentos próprios, como as redes de TV ‘públicas’, que funcionam, quase sempre, como veículos da propaganda oficial.
O populismo deforma os cidadãos como nenhum regime autoritário é capaz de fazê-lo. Ele os perverte desde dentro, destruindo a sua resistência crítica.
Ele os faz crer que são suas as razões que o regime neles implanta sutilmente. Ele os convence de que a loucura que os acomete constitui uma maneira mais lúcida de ver as coisas.
As vítimas do populismo, ofuscadas por essa luz malsã não só não lamentam como até comemoram a destruição do pensamento independente.
Ao fazê-lo, porém, colocam-se, ingenuamente, ainda mais à mercê dos hábeis governantes, dóceis e desarmadas, sem olhos em casa.”
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