"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2011/12/13

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[EUA] Indignados e Anarquistas, mesmo combate?

Como a história dos movimentos sociais passou a demonstrar claramente, nada aterroriza mais aqueles que dirigem a América que o perigo do advento da verdadeira democracia. Como se vê em Chicago, Portland, Oakland e agora em Nova York, a resposta imediata a uma faísca de desobediência civil organizada democraticamente, mesmo modesta, é uma combinação terrificada de concessões e de brutalidade. Nossos governantes, de qualquer forma, parecem trabalhar sob a crença persistente que se um número significativo de americanos aprenderem o que é o anarquismo verdadeiramente, eles poderão muito bem decidir que seus dirigentes são inúteis.
Quase todas as vezes que fui entrevistado por um jornalista sobre Occupy Wall Street, eu recebi os mesmos enunciados, a mesma leitura:
“Como você pode querer chegar a qualquer coisa se você se recusa a criar uma estrutura de direção ou fazer uma lista concreta de suas demandas? É o que todas essas bobagens anarquistas – o consenso, os “dedos brilhantes”...? Vocês não serão jamais capazes de atender regularmente o americano médio com esse tipo de coisa!”
É difícil de imaginar piores conselhos. Antes de tudo, depois de 2007, um pouco próximo de todas as precedentes tentativas visando a lançar um movimento de amplitude nacional contra Wall Street tocou exatamente naquilo que apontavam os jornalistas – e encalhou lamentavelmente. E somente quando um pequeno grupo de anarquistas em Nova York decidiu adotar a marcha inversa – se recusando a reconhecer a legitimidade das autoridades políticas existentes enquanto formulavam suas demandas; se recusando a reconhecer a ordem política existente, ocupando um espaço público sem pedir permissão, se recusando a eleger os dirigentes que poderiam mesmo ser subornados ou cooptados, declarando, não violentamente, que todo o sistema é corrompido e que o rejeitavam; estando prontos a ter posição firme contra as inevitáveis respostas violentas do Estado – que uma centena de milhares de americanos, de Portland, a Tuscaloosa, começaram a se juntar à luta, e à qual uma maioria se declarou simpática.
Essa não é a primeira vez que um movimento baseado nos fundamentos anarquistas – ação direta, a democracia direta, rejeição das instituições políticas existentes e a tentativa de criar o novo – se desenvolve nos Estados Unidos. O movimento de direitos civis (ao menos para suas linhas mais radicais), o movimento anti-nuclear, o movimento altermundialista... todos tiveram direções similares. Jamais, porém, eles cresceram tão rápido.
Para compreender o porquê, precisa-se compreender que há sempre um fosso enorme entre isso que aqueles que dirigem a América entendem por “democracia”, e isso que significa a palavra para a maior parte dos cidadãos. Segundo a versão oficial, claro, a “democracia” é um sistema criado pelos pais fundadores, baseado nos controles e nos equilíbrios entre o presidente, congresso e o poder judiciário. De fato, nenhuma parte da Declaração de Independência ou na Constituição qualificam os Estados Unidos como sendo uma “democracia”. A maior parte do tempo a democracia é definida como auto-governança coletiva pelas assembléias populares, tanto que ele [os pais fundadores] foram selvagens opositores a ela, argumentando que a democracia seria prejudicial aos interesses das minorias (a saber: os ricos).
Vieram então a definir sua república – modelada menos em Atenas, mais em Roma – como uma “democracia”, compartilhando do entusiasmo dos americanos a propósito desse conceito.
Mas qual é o significado da palavra “democracia” para os americanos médios? Um sistema no qual eles chegam a equivaler com os políticos que os governam? Isso é o que é nos dito hoje, mas isso parece pouco plausível. Depois de tudo, a maior parte dos americanos detestam os políticos, e tendem a ser céticos sobre a idéia de governo. Se o sistema americano pôde universalmente se fazer passar por um ideal político, é somente porque o povo americano ainda acredita, mesmo que vagamente, que nossos sistemas políticos criam a auto-governança – que os pais fundadores tinham a tendência de denunciar como “democracia” ou, como eles igualmente chegaram a chamar, de “anarquia”.
Na ausência de outra coisa, isso ajudaria a explicar o entusiasmo com o qual os americanos adotaram um movimento baseado nos princípios da democracia direta, malgrado à rejeição uniformemente mentirosa dos meios de comunicação e da classe política americana. A maior parte dos americanos está, politicamente, em contradição. Eles tendem a combinar um profundo respeito pela liberdade com uma identificação, atenciosamente inculcada e bem real, sobre o exército e a polícia. Raros são os anarquistas de nossos dias; muitos entre eles não sabem sequer o que significa “anarquismo”. É difícil de dizer quando desejarão finalmente se desfazer do Estado e do capitalismo.
Mas uma coisa que um número crescente de americanos sente, é que qualquer coisa vai terrivelmente mal em seu país, que as instituições chaves são controladas por uma elite arrogante, e que retarda uma mudança radical. Eles têm razão. É difícil de imaginar um sistema político também sistematicamente corrompido – no qual a corrupção, em todos os níveis, foi de toda forma legalizada. A indignação é apropriada. O problema estava no fato de que até dia 17 de setembro, o único lado político a propor soluções radicais era a direita. Mas Occupy Wall Street mudou isso: a democracia explodiu.
David Graeber
Tradução > Tio TAZ
agência de notícias anarquistas-ana
nas ramagens embaciadas
o sol
abre frestas
Rogério Martins

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