"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

........

2008/12/21

extraindo conceitos


vigiar & punir;
crime & castigo;
delitos & prisões:
(a mesma face da exploração econômica)
José Carlos Orsi Morel*
z
Os anarquistas, bem como algumas outras escolas socialistas como os owenianos por exemplo, sempre foram críticos do sistema prisional, das penas e do Direito Penal. O anarquismo, entretanto, destaca-se de seus congêneres neste ponto ao postular que tais instituições repressivas são ao mesmo tempo desnecessárias e nocivas do ponto de vista social, servindo apenas para agravar os problemas e conflitos e não resolvendo absolutamente nada.

Os denominados “crimes” em sua opinião derivam basicamente de duas fontes: a estrutura social vigente, com sua ênfase na acumulação a conseqüente geração de profundas desigualdades e frustrações e a necessidade da força para se manter o privilégio, aliada à ilusão, gerada pelo próprio sistema de que
todos nele podem enriquecer e que só os incompetentes é que não o conseguem; os atentados contra a propriedade (furtos, estelionato, roubos, assaltos, seqüestros com finalidade econômica, etc.) são as principais fontes de atos delituosos mesmo hoje em dia, e é óbvio para eles que uma distribuição justa da riqueza social praticamente eliminaria tais comportamentos.

A segunda fonte de comportamentos “criminais”, segundo sua opinião, provém de problemas patológicos e constitui os denominados “crimes bárbaros” tais como assassinatos e violências cometidos aparentemente sem razão, alguns crimes sexuais, comportamentos destrutivos gratuitos, etc. e neste caso a repressão é igualmente inútil, pois o que importa é compreender e tratar o problema e não simplesmente reprimi-lo.

Além disto as prisões possuem um efeito desmoralizante profundo, pois,
ao privar o homem de sua liberdade, priva-no igualmente de algo fundamental à sua própria personalidade alterando profundamente o seu comportamento e, neste sentido, as modernas observações sobre a “psicologia do internalizado” nada mais fazem do que, sem saber, retomar as teses libertárias velhas de um século e meio.

A pena de morte, é para eles apenas um espetáculo de vilania do poder, que visa apenas atemorizar e promover a sujeição, sem nenhuma eficácia prática. Vemos que tais teses, em muitos pontos, prefiguram as concepções modernas de um Gabriel Tarde e sua Sociologia Criminal, do Michel Foucault da História da Loucura e de Vigiar e Punir, de um Deleuze, de um Goffman [Manicômios, Conventos e Prisões], etc., bem como algumas visões da Psicanálise. Tais posturas estão igualmente na raiz da moderna escola jurídica do Abolicionismo Penal, que vem revolucionando a jurisprudência e a Penologia na Escandinávia e na Holanda.

Em todas as oportunidades históricas que tiveram, os anarquistas colocaram suas idéias de abolição das prisões em prática, seja na Comuna de Paris, seja na Ucrânia, por ocasião da Revolução de 1917, seja na Catalunha revolucionária de 1936; as prisões foram pura e simplesmente abertas e as pessoas tornadas responsáveis pelos seus atos; não consta, na medida dos fatos empíricos que se pode recolher nestas situações tumultuadas, que tal atitude tenha contribuído para um aumento dos atos anti-sociais ou para a “implantação do caos” como querem os conservadores que – na tradição de Maquiavel e Hobbes e talvez por pintarem os outros à sua própria imagem – sustentam que ao abolir o aparato repressivo cai-se imediatamente no caos.

Para uma visão mais aprofundada sobre esta questão, remetemos o leitor ao clássico de Piotr KROPOTKIN
“As prisões”, bem como aos escritos de Errico MALATESTA sobre o tema, que infelizmente estão esparsos ao longo de sua obra (consultar o índice da edição de seus escritos pela FAI: Pagine di Lotta Cotidiana 2v e Pensiero e Volontá 2v.). um depoimento e uma análise incisivos sobre o funcionamento das prisões pode ser encontrado no clássico de Alexander BERKMANN Prision Meemoirs of an Anarchist; são igualmente interessantes as reflexões de Robert OWEN sobre o tema, que podem ser apreciadas em uma coletânea recente (A New View on Society and other Writings London Penguin Classics 1991).

*José Carlos Orsi Morel e membro do Centro de Cultura Social / São Paulo e tradutor do livro: Sistema das Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria, de Pierre-Joseph Proudhon; Ícone Editora LTDA, 2003 (www.iconelivraria.com.br).

Nenhum comentário: