"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2009/03/17

extraindo conceitos

maurício tragtenberg


A educação é obra de libertação, a única que encaminhará, a cada dia, o mundo em direção a um melhor futuro.... O espírito crítico permitirá à criança escapar da tirania do Estado ou da sociedade. A tolerância lhe permitirá descobrir seus irmãos. A ausência de diálogo leva imediatamente ao fanatismo”

Francesc Ferrer i Guàrdia


Ferrer vê nos exames escolares atos solenes ridículos que satisfazem o amor próprio dos pais dos alunos e a supina vaidade de muitos mestres causando torturas nas crianças antes e depois. Ferrer critica aqueles pais que se preocupam com o fato de o filho não ter obtido o 1º lugar na classificação dos aprovados, desconhecendo as angústias e ansiedades pelas quais passa o aluno antes e após as "provas".

Para Ferrer, a situação de exame é uma situação em que a criança está em confissões "forçadas" onde se lhe obriga a retirar de sua fraqueza psicológica as forças intelectuais, sobretudo no âmbito da memória, para satisfazer o amor próprio de alguns pais com grande prejuízo a integridade intelectual e psicológica do filho.

A isso chama Ferrer de "miserável vaidade satisfeita à custa da vida moral e física da criança, pois os professores, na sua maioria estereotipadores de frases feitas, inoculadores mecânicos mais do que pais morais do educando, o que mais lhes interessa nos exames é sua própria personalidade e seu status social".

A situação de exame apresenta-se para Ferrer como um tribunal inflexível, onde o educando sofre tremendo interrogatório, constituindo o símbolo do atual sistema de ensino. O exame, prêmios e concursos escolares terminam com educandos carregados de diplomas e outros símbolos escolares.

Ferrer critica a competitividade, mola do sistema de ensino que leva o educando a procurar superiores a admirar ou inferiores a desprezar. A procura de "ser mais do que os outros" pressupõe a expectativa da máxima aceitação do educando pelos professores ou familiares.

Sem dúvida nota Ferrer que há pessoas que nada fariam sem a expectativa de uma recompensa, mesmo simbólica. A competitividade no ensino leva, segundo Ferrer, a excesso de trabalho intelectual e físico, que deforma as inteligências, desenvolvendo certas tendências e atrofiando outras.

Qualquer preocupação, seja familiar ou pessoal, fica em segundo plano; "os candidatos sérios não devem aceitar distrações artísticas, nem pensar no amor ou na coisa pública, sob o risco de fracassarem".

A existência do sistema de notas para avaliação representa, para Ferrer, flagrante injustiça, pois sacramenta desigualdades, "pois uma nota ou classificação determinada mudaria se certas condições mudassem".

Ferrer propõe aos pedagogos que se dediquem "a inspirar amor ao trabalho sem sanções arbitrárias", pois já existem sanções naturais e inevitáveis.

Sobretudo, evitemos fornecer às crianças a noção de comparação e medidas entre os indivíduos porque, para que os homens apreciem e compreendam a diversidade infinita que existe de caráteres e inteligências, é necessário evitar a figura da concepção imutável do bom aluno.

texto transcrito do livro "Sobre educação, política e sindicalismo", de Maurício Tragtemberg - Editora Cortez

Um comentário:

Anônimo disse...

Antônio Ozaí da Silva:


“A prática de ensino resume-se, então, à transmissão de um conhecimento 'superior' (no sentido de estar sob domínio professoral) e à adoção de técnicas de memorização de conteúdos. Um conhecimento, portanto, formal e selecionado à revelia dos diretamente interessados e passível de questionamento quanto à sua própria utilidade.

Tudo isto pode ser resumido em: vigiar e punir. De fato, esta prática de ensino objetiva, essencialmente, a produção de "corpos submissos, exercitados e dóceis". A estrutura escolar, em nome da transmissão do conhecimento, termina por domesticar o aluno, diferenciar os bons dos maus, salientar e reforçar a imagem negativa dos rebeldes, 'problemáticos', estigmatizando uns e outros, recompensando os primeiros, punindo os segundos com a repetência e/ou a exclusão. O ensino do conteúdo torna-se em si um meio para tal.

O sistema de exames é a pedra angular deste edifício. A avaliação do aluno reduz-se à aplicação da prova, tornando-se um fim em si mesma. O objetivo principal, a produção e transmissão do conhecimento, é secundarizado. Sem alternativas, o aluno submete-se ao exame, memoriza o conteúdo para tirar uma boa nota. Mas, o que prova a prova senão apenas o ridículo fato de que ao aluno sabe fazê-la? Por acaso, o exame dado nestas condições prova o saber do aluno?

Na medida em que o aluno memoriza o conteúdo, a pressão do exame pressupõe que ele prove sua capacidade de decoreba. A passagem do conhecimento do professor ao aluno resume-se nisto: o aluno não é estimulado a produzir conhecimento, a amalgamar seu saber ao do professor. Nessa relação dialética entre o mestre e o discípulo não há saber ou ignorância absoluta. Confrontam-se dois tipos de saber: "o saber do professor inacabado e a ignorância do aluno relativa". (Maurício TRAGTENBERG, 1985)

Em nome da avaliação do aluno, concretiza-se o processo seletivo discriminatório: aos bons alunos os louros da vitória na louca competição darwiniana. E os maus alunos? Como recuperá-los e inserí-los em igualdades de condições numa sociedade onde os valores de solidariedade são a cada dia solapados? Seria esta uma preocupação da escola?”


in: Revista Didática Sistêmica Volume: 1 Trimestre : Outubro-dezembro de 2005.
http://www.redisis.furg.br/edicoes/vol1/art05.pdf