"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2009/10/21

F.S.A.__Semana de Ciência Social -- 2009


a constituição de si na experiência
da revolução espanhola
nildo avelino*

A revolução espanhola foi certamente o acontecimento mais importante e mais original da história do anarquismo. Foi um tipo de experiência que enfrentou na prática todos aqueles grandes problemas teóricos e ideológicos que foram largamente debatidos pelos anarquistas desde a Primeira Internacional.

A revolução espanhola enfrentou os problemas referentes à relação entre vanguarda revolucionária e massa popular, os problemas relativos à aliança política e militar entre libertários e autoritários, os relativos à prática da autogestão e do federalismo, e muitos outros.[1]

É essa singularidade que faz da Revolução Espanhola algo como uma experiência inesgotável, colocando-a sempre como objeto de reflexão. Se isso ocorre é porque ela pode ser considerada um campo livre de experimentações anárquicas, o mais completo ensaio de socialismo libertário de que se tem notícia.

Um aspecto bastante significativo desse ensaio foi o que os espanhóis chamaram de incautaciones. O que foram as incautaciones? Incautar uma fábrica significou durante a revolução tomá-la e administrá-la autogestionariamente.

Foi a partir dessas práticas de incautaciones, a partir da sua generalização pelos anarquistas da Confederación Nacional del Trabajo, CNT, que foi inventado todo um novo sistema econômico que ficou conhecido pelo nome de anarco-coletivismo.

O anarco-coletivismo foi pensado inicialmente pelo anarquista russo Mikhail Bakunin,[2] em substituição ao mutualismo de Pierre-Joseph Proudhon.[3]

Segundo Bakunin, o coletivismo consistia na transformação da propriedade privada em propriedade coletiva, sendo que os coletivizados receberiam conforme o produto de seu trabalho.

Isso era diferente do que tinha pensado Proudhon, cujo mutualismo admitia a posse da propriedade individual e encontrava o equilíbrio econômico garantido por um sistema de trocas e prestações mútuas, de relações de reciprocidade.

Em todo caso, tudo isso é apenas indicativo, e tem por finalidade somente situar o problema, porque, na prática, os processos de coletivização da revolução espanhola não cabem em nenhum desses sistemas, já que nesses processos, muitas vezes e a todo momento, mutualismo e coletivismo conviveram, se misturaram, se implicaram ou mesmo se excluíram, dando muito mais a impressão de um mosaico de práticas mutualistas e coletivistas, que incorporaram também práticas do anarco-comunismo pensado por Piotr Kropotkin[4] e Errico Malatesta.[5]

O que importa dizer é que essas coletivizações foram a exploração comum dos campos, das fábricas, das indústrias e dos serviços, foram mecanismos de produção autogestionários e funcionaram como o sistema econômico da revolução espanhola.

Elas foram praticadas sobretudo nas regiões e entre as populações onde foi maior a influência anarquista: Catalunha, Astúrias e Albacete. Nesses lugares todos os registros de propriedade foram queimados e em alguns casos foi abolido o dinheiro.

Notas:
1
Cf. Giampietro Berti. Il pensiero anarchico dal settecento al novecento. Manduria-Bari-Roma, Peiro Lacaita, 1988.
2
Cf. Mikhail Bakunin. Escritos de filosofía política: v. 2 – El anarquismo y sus tácticas. Tradução de Antonio Escohotado. Madrid, Alianza Editorial, 1990.
3
Cf. Pierre-Joseph Proudhon. La capacidad política de la clase obrera. Buenos Aires, Proyección, 1974.
4
Cf. Piotr Kropotkin. A conquista do pão. Tradução de Manuel Ribeiro. Lisboa, Guimarães, 1975.
5
Cf. Errico Malatesta. Anarquistas, socialistas e comunistas. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Paulo, Cortez, 1989.

* Mestre em Ciências Sociais, pesquisador no Núcleo de Sociabilidade Libertária, Nu-Sol, e integrante do Centro de Cultura Social de São Paulo. Autor de Anarquistas: ética e antologia de existências. Rio de Janeiro, Achiamé Editor, 2004.

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verve, 10: 183-203, 2006

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