"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2010/04/22

extraindo conceitos__45



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É justa a [pena de] morte, é justo o presídio?

Consegue-se com isso o duplo fim que se trata obter: impedir que o ato anti-social se repita e transformar melhor o homem o qual se fizera culpável de um ato de violência contra seu semelhante?

E, para concluir, o que significa a palavra culpável, com tanta frequência empregada, sem que até hoje se tenha tentado dizer no que consiste a culpa?

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Grandes são estas questões, as quais encerram em si a fortuna, não apenas as centenas de milhares de detentos que neste momento gemem nas nossas prisões; a sorte, não apenas das mulheres e crianças que soluçam na mesma miséria desde que o chefe da família fora encerrado num calabouço, senão também a fortuna e a sorte de toda a humanidade. Toda injustiça cometida contra o indivíduo, é em última instância sentida por toda a humanidade...

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Em uma palavra, as causas fisiológicas, das que tanto temos falado nestes últimos tempos, não são das que menos contribuem para fazer com que o indivíduo seja conduzido à prisão. Mas, estas não são causas de criminalidade propriamente dita, como tratam de transformá-las os criminalistas da escola de Lombroso.

Estas causas, melhor dito, estas afeições do cérebro, do coração, do fígado, etc., trabalham constantemente em todos nós. A imensa maioria dos seres humanos tem alguma das doenças mencionadas, mas estas doenças não levam o homem a cometer um ato anti-social senão quando circunstâncias exteriores dão esse giro mórbido ao caráter.

As prisões não curam as as aflições fisiológicas; o que faz é agravá-las. E quando um de tais doentes sai da prisão ou do presídio, é ainda menos propício para a vida em sociedade que quando entrara; sente-se todavia mais inclinado a cometer atos anti-sociais.

Para impedir tal efeito, será necessário abrandá-lo de todo o dano que causara a prisão; apagar toda a massa de qualidades anti-sociais que lhe inculcara o presídio. Tudo isto pode ser feito, pode tentar-se pelo menos. Mas então, porque começar por transformar o homem em pior do que era, se, com o tempo, será necessário destruir a influência da prisão?

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O individualismo ilimitado substituiu o comunismo da antiguidade franco-saxona. Mas voltaremos a ele. E outra vez, os espíritos mais inteligentes de nosso século - trabalhadores e pensadores - proclamam em voz alta que a sociedade inteira é responsável por todo ato anti-social cometida no seu seio. Temos nossa parte de glória nos atos e nas reproduções de nossos heróis e de nossos gênios. Temos também nos atos de nossos assassinos.

De ano em ano, milhares de crianças crescem na sujeira moral e material de nossas cidade, entre uma população desmoralizada pela vida cotidiana, frente à podridão e vadiagem, junto com a luxúria que inunda nossa grandes populações.

Não sabem o que é a casa paterna: a sua casa hoje é uma cova, amanhã será a rua. Entram na vida sem conhecer um emprego razoável de suas jovens forças. O filho de um selvagem aprende a caçar ao lado de seu pai; sua filha aprende a manter em ordem a mísera cabana.

Nada disso existe hoje para o filho do proletário que vive num córrego. Pela manhã, o pai e a mãe saem da casinha em busca de trabalho. A criança fica na rua, não aprende nenhum ofício, e se vai para escola, nela não lhe ensinam nada de útil.

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O que nos surpreende é a profunidade dos sentimentos sociais da humanidade de nosso século, a honra que reina na viela mais asquerosa. Sem isso, o número dos que declaram a guerra às instituições sociais seria muito maior. Sem essa honra, sem essa aversão à violência, não restaria pedra sobre pedra dos suntuosos palácios de nossas cidades.

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Quando existem bairros inteiros nos que cada casa lembra a um que o homem continua sendo animal, ainda quando oculte a sua animalidade baixo certo aspecto; quando o lema é Enriqueça!

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A sociedade mesma fabrica diariamente esses seres incapazes de levar uma vida honrada de trabalho, esses seres imbuidos de sentimentos anti-sociais. E até glorifica-os quando seus crimes vêem-se coroados pelo êxito, enviando-lhes ao cadafalso ou ao presídio quando fizeram mal.

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Quando a revolução tenha completamente modificado as relações do Capital e do Trabalho. quando não exista preguiçosos e todos trabalhemos, segundo nossas inclinações, em proveito da comunidade, quando a criança tenha sido ensinada a trabalhar com seus braços, a amar o trabalho manual, enquanto o seu cérebro e seu coração adquiram o desenvolvimento normal, não necessitaremso nem prisões, nem carrascos, nem juízes.


O homem é um resultado do meio em que cresce e passa a vida...

Acostume-se ao trabalho desde a sua infância; acostume-se a considerar-se como uma parte da humanidade. acostume-se a compreender que nessa imensa família, não se pode fazer mal a ninguém sem sentir em si mesmo os resultados da sua ação; que o amor e os grandes gozos - os maiores e duradouros - que nos trazem a arte e a ciência sejam para ele uma necessidade, e certíssimos estai de que então haverá muitos poucos casos nos que as leis da moralidade inscritas no coração de todos, sejam violadas.

As duas terceiras partes dos homens hoje condenados como criminosos cometeram atentados contra a propriedade. Estes desaparecerão com a propriedade individual. Com respeito aos atos de violência contra as pessoas, já vão diminuindo conforme aumenta a sociabilidade, e desaparecerão quando nos encontremos com as causas ao invés de enfrentar-nos com os efeitos.


Certo é que em cada sociedade, por mais bem organizada que seja, haverão alguns indivíduos de paixões mais intensas, e que esses indivíduos se verão de quando em quando impulsionados a cometer atos anti-sociais.

Mas, isto pode impedir-se, dando melhor direção àquelas paixões. Na atualidade, vivemos demasiado isolados. O individualismo proprietário - essa muralha do indivíduo contra o Estado - nos tem conduzido a um individualismo egoísta em todas as nossas relações mútuas.

Apenas nos conhecemos; não nos encontramos senão ocasionalmente; nossos pontos de contato são excessivamente raros.

Mas, temos visto na história, e seguimos vendo-os, exemplos de uma vida comum mais intimamente ligada.

A família composta, na China, e as comunidades agrárias, são exemplos em apoio sobre o que foi dito. Ali, os homens se conhecem uns aos outros. Por força das coisas, encontram-se obrigados a ajudar-se mutuamente em ordens moral e material.

A velha família baseada na comunidade de origem, desaparece. Nesta família, os homens se verão obrigados a conhecer-se e ajudar-se, a apoiar-se moralmente em toda ocasião. E este apoio neutro bastará para impedir a massa de atos anti-sociais que hoje se cometem.

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Resumo.

A prisão não impede que os atos anti-sociais sejam produzidos; pelo contrário, aumenta o seu número. Não melhora os que vão parar nela. Reforme-a quanto queira, sempre será uma privação de liberdade, um meio fictício como o convento, que torna o prisioneiro cada vez menos próprio para a vida em sociedade.

Não consegue o que propõe. Mancha a sociedade. Deve desaparecer.

É um resto de barbárie, misturado com filantropismo jesuítico; e o primeiro dever da Revolução será derrubar as prisões; esse monumentos da hipocrisia da vileza humana. Em uma sociedade de iguais, em um meio de homens livres, todos os quais trabalhem para todos, todos os quais tenham recebido uma sã educação e se sustentem mutuamente em todas as circunstâncias da sua vida, os atos anti-sociais não poderão produzir-se.

O grande número não terá razão de ser, e o resto será afogado no germén. E com respeito aos indivíduos de inclinações perversas que a sociedade atual nos deixe como legado, dever nosso será impedir que se desenvolvam os seus maus instintos. E se não o conseguimos, o corretivo honrado e prático será sempre o trato fraternal, o sustento moral, que encontrarão da parte de todos, a liberdade.

Isto não é utopia; isto já se faz com indivíduos isolados, e isto há de tornar-se prática geral. E tais meios serão mais poderosos que todos os códigos, que todo o atual sistema de castigos, essa fonte sempre fecunda em novos atos anti-sociais, de novos crimes.

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