"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2010/12/12

questões urbanas


A “reconquista do território”, ou:

Um novo capítulo na militarização da questão urbana (3)



por Marcelo Lopes de Souza

O papel da mídia

O papel da grande imprensa tem se revelado crucial e, pode-se dizer, estratégico, ao longo deste mais recente capítulo da militarização da questão urbana.

A (re)produção ampliada dos sentimentos de medo e insegurança da população é indescolável, como procurei enfatizar em Fobópole, do tripé constituído pelo mercado da segurança (que fabrica armas, vende carros com blindagem especial e oferece uma legião de vigilantes particulares, mas também constrói “condomínios fechados”, shopping centers e outros símbolos da autossegregação da elite e da classe média alta), pelo sistema político-eleitoral (que cada vez mais explora o medo do eleitorado, seja em relação ao terrorismo - como nos Estados Unidos -, seja em relação à criminalidade violenta ordinária - como no Brasil) e pelo mercado da informação.

No momento, observa-se, no Rio de Janeiro, uma interessante mudança de tom por parte da mídia, em especial por parte da TV Globo (e da Globonews, de TV a cabo) e do jornal O Globo:

em vez de, fundamentalmente, explorar os fatos relativos à criminalidade violenta, conferindo ao Rio de Janeiro um destaque parcialmente desproporcional (uma vez que, no que se refere a vários tipos de crimes violentos, a começar pelos homicídios, desde a década de 80 que se pode facilmente constatar como outras capitais, por exemplo Recife, geralmente apresentaram índices mais elevados que o Rio), a mídia “global” passou a investir maciçamente no que poderia ser chamado de a construção de um “épico” fortemente ideológico:

as Forças do Bem contra as Forças do Mal, o “Dia D”, a colaboração e o apoio da população (por meio do “Disque Denúncia” e, também, constatável mediante pesquisas de opinião)…

Corações e mentes (os corações muito mais que as mentes) vêm sendo inusitadamente mobilizados para dar suporte de massas às “operações de guerra” empreendidas pelo Estado.

A Rede Globo, muito embora tenha, timidamente, começado a noticiar, a partir de 30 de novembro, relatos de abusos das forças policiais contra moradores da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, não deixou de produzir um estilo de cobertura jornalística que, muito mais do que ser acriticamente simpático às ações de “reconquista” em curso, tem se revelado até operacionalmente simbiótico com o Estado e quase indissociável de sua dinâmica.

O estilo de outras empresas jornalísticas não tem sido muito diferente, se bem que a Folha de São Paulo (ou um ou outro articulista da Folha, mas não todos) venha se mostrando, a esse respeito, um pouco mais comedida e um pouco menos sensacionalista.

Uma pequena matéria de um dos articulistas da Folha (Nelson de Sá), publicada em um cantinho da página C5 da edição de 29/11/2010, traz, porém, o que pode ser reputado como uma das chaves para o nosso entendimento da construção do “épico” acima mencionado:

Ameaçada pela Record no Rio, a Globo derrubou parte da programação regular a partir de quinta, repetindo a cobertura da enchente que em 1966, em cinco dias, com Walter Clark, a estabeleceu como a TV da cidade.
Assim foi até ontem, com a tomada do Complexo do Alemão […] - e sua transmissão ao vivo bateu a REcord por grande margem.

E prossegue assim o articulista:

A cobertura global […] se fundiu ao próprio Estado, em engajamento semelhante ao da Fox News no Iraque. Sua repórter chegou ao Alemão ao lado da polícia. […]

O discurso de refundação do Estado nas áreas retomadas foi único, da cobertura como das autoridades na transmissão. […] No dizer do relações públicas da Polícia Militar, “um novo tipo de guerra, também é uma guerra midiática”.

Poderíamos dizer:

é, essencialmente, e em vários sentidos, uma “guerra midiática”


segue...

Notas

[*] Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


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