"O anarquismo defende a possibilidade de organização sem disciplina, temor ou punição, e sem a pressão da riqueza."

emma goldman

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2011/01/22

extraindo conceitos

Como os animais fazem negócios

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Humanos e outros animais compartilham uma herança de tendências econômicas, incluindo cooperação, retribuição de favores e ressentimento com comportamentos desonestos.

por Frans B. M. de Waal



Evolução da Reciprocidade

Animais e pessoas ocasionalmente se ajudam sem nenhum benefício óbvio para quem ajuda. Como teria evoluído esse comportamento?

Se a ajuda é direcionada a um membro da família, a questão é fácil de responder. "O sangue fala mais alto", dizemos, e os biólogos reconhecem as vantagens genéticas para tal assistência:

se o parente de alguém sobrevive, a probabilidade de os genes dessa pessoa se perpetuarem nas próximas gerações aumenta.

Mas a cooperação entre indivíduos não aparentados não sugere vantagem genética imediata. Pëtr Kropotkin deu uma primeira explicação sobre isso no livro Mutual Aid [Ajuda Mútua], publicado em 1902.

Se a ajuda é comum, argumenta, todos ganham - a chance de sobrevivência de cada um aumenta.

Em 1971, Robert L.Trivers, então na Universidade Harvard, expressou o problema em termos evolutivos modernos com a teoria do altruísmo recíproco.

Ele argumentou que fazer um sacrifício por outra pessoa é recompensador se ela, depois, retribuir o favor. A reciprocidade resu-me o dito:

"Eu coço suas costas se você coçar a minha".

Será que os animais demonstram estratégias do tipo "olho por olho"? Macacos e grandes primatas formam coalizões; dois ou mais indivíduos conspiram contra um terceiro.

E pesquisadores encontraram uma correlação entre quão freqüentemente A ajuda B e B ajuda A. Mas isso significa que os animais estão de fato a par dos favores dados e recebidos?

Eles podem apenas dividir seu mundo entre "amigos", a quem dão preferência, e "não amigos", por quem demonstram pouca preocupação.

Se tais sentimentos são mútuos, as relações serão mutuamente úteis ou inúteis. Tais simetrias podem responder pela reciprocidade relatada para peixes, morcegos vampiros (que regurgitam sangue para alimentar os companheiros), golfinhos e macacos.

Não é porque esses animais podem não estar a par dos favores dados e recebidos que eles carecem de reciprocidade. O problema é saber como um favor feito para o outro volta para o altruísta inicial. O que é exatamente esse mecanismo da reciprocidade?

A preservação do registro mental é uma maneira de a reciprocidade operar, e ainda precisamos testar se os animais fazem isso. Até aqui, os chimpanzés são a exceção.

Na floresta, atuam em grupo para caçar o macaco cólobo. Um caçador, após capturar a presa, normalmente separa o corpo em partes e o compartilha com o grupo. Nem todos, entretanto, conseguem um pedaço; até mesmo o macho de grau mais alto na hierarquia, se não tiver participado da caçada, pode mendigar em vão.

Esse comportamento sugere reciprocidade:

os caçadores parecem gozar de prioridade na divisão do espólio.

Para tentar descobrir quais mecanismos atuam aqui, exploramos a tendência desses macacos em compartilhar - que eles também mostram em cativeiro.

Demos a um dos chimpanzés de nossa colônia uma melancia ou alguns ramos de folhas e o deixamos no centro de um grupo, logo seguido por grupos secundários próximos a indivíduos que tinham conseguido uma porção maior, até que todo o alimento tivesse sido distribuído a todos.

Os chimpanzés não costumam pegar alimento dos outros à força - fenômeno conhecido como "respeito de posse".

Os pedintes mantêm a mão aberta com a palma para cima, choramingam e lamentam, mas as agressões são raras. Se elas ocorrem, o animal que detém o alimento dá instruções para que os agressores deixem o círculo.

Ele bate na cabeça dos agressores com um galho ou grita emitindo um som agudo até que o deixem sozinho. Independentemente do seu grau na hierarquia, quem tem o alimento controla seu fluxo.

Analisamos cerca de 7 mil situações como essa, comparando a tolerância do possessor a pedintes específicos. Temos registros detalhados sobre cuidados e catação de parasitas nas manhãs dos dias dos testes com alimentos.

Se o macho principal, Socko, limpara May pela manhã, por exemplo, sua chance de ganhar ramos dela, à tarde, aumentava. Essa relação entre comportamentos do passado e do presente é geral.

Conexões simétricas não poderiam explicar esse resultado, já que o padrão variou de um dia para o outro. O nosso foi o primeiro estudo a demonstrar a contingência entre favores dados e recebidos. Além do mais, a troca de alimento por catação ocorria com parceiros específicos - a tolerância de May só beneficiou Socko, o único que a tinha limpado.

Esse mecanismo de reciprocidade requer memória de eventos prévios, bem como o avivamento da memória que induz ao comportamento de amizade.

Na nossa espécie, esse processo de avivamento é conhecido como "gratidão", e não há razão para usar outro nome entre os chimpanzés. Se eles sentem algum tipo de obrigação ainda não está claro, mas é interessante notar que a tendência em retribuir o favor não é a mesma para todas as relações.

Entre os indivíduos que se associam e praticam catação mútua, uma simples sessão de limpeza tem pouco peso. Todas as trocas diárias ocorrem entre eles, provavelmente sem nenhuma vigilância.

Eles parecem seguir o sistema de ajuda mútua discutido anteriormente. Apenas num relacionamento mais distante a catação se destaca. Como Socko e May não são amigos próximos, o "cafuné" foi devidamente percebido.

Uma distinção similar aparece no comportamento humano:

somos mais inclinados a ficar de olho nas ações de dar e receber que ocorrem com estranhos do que com amigos e parentes.

Quando isso ocorre nas relações próximas, é sinal certo de desconfiança.

segue...


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